Quem manda nos livros em Portugal?

Utilizemos a publicação da Rádio Renascença de 25 de novembro de 2021 para responder.

Pedro Sobral sobe de vice-presidente a presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) com a saída de João Alvim, da Bertrand. O diretor-geral do Grupo editorial Leya assumia a liderança da associação que representa o setor, secundado por  Miguel Pauseiro, do Círculo de Leitores, que assume o cargo de vice-presidente, enquantu que como vogais foram eleitos Clara Capitão, da Editora 20|20, uma empresa do grupo Penguin Random House Portugal, Filipe Infante, da Editorial Presença, Pedro Falé, da FNAC e Paulo Batista, da Saída de Emergência. Quem se mantém, como vogal é Ricardo Antunes, da Alma dos Livros.

Saíram na ocasião o presidente João Alvim, da Bertrand, e dos cargos de vogais Ana Neves do El Corte Inglés, Rita Annes da Lidel – Edições Técnicas, Ana Cardoso do Amaral da Planeta Manuscrito e Manuel Fonseca da Guerra & Paz Editores.

A mesa da assembleia-geral é presidida por Rita Pinto, das Edições Almedina, e complementada por Pedro Prata Ginja, da Plátano Editora, e Alexandre Andrade, da Lisboa Editora. Rita Annes, da Lidel – Edições Técnicas, passa a presidir o Conselho Fiscal, constituído ainda por Ana Neves, do El Corte Inglés, e pelo ROC Eduardo Rêgo, da Victor José & Associados.

Estatísticas feitas a olho: os mais vendidos em 2022, segundo o livreiro

Dê por onde der, Colleen Hoover foi a autora mais vendida em Portugal no ano de 2022. Não, ainda não saíram os números da APEL, da Gfk ou sequer conheço os das redes de livrarias ou das livrarias de rua mas nem é preciso. A estatística feita a olho pelo livreiro garante que não só cada livro da escritora vendeu bastante ao ponto de se encontrar na lista dos mais vendidos, nomeadamente o grande sucesso Isto Acaba Aqui e a sua sequela ou prequela, lançado este ano, Isto começa aqui. Mas também Verity, Amor Cruel, 9 de Novembro, Confesso

Portanto, não só é provável que individualmente pelo menos um daqueles livros estejam na lista dos três mais vendidos, como o é que seis deles estejam na lista dos trinta mais vendidos.

Provavelmente, o escritor português que mais vendeu foi Raul Minh’Alma. Tal como nos dois anos anteriores, não por causa de um livro especifico – o lançado este ano Como se Fosse a Primeira Vez – mas pela venda prolongada dos seus livros.

Tal como Colleen Hoover, Minh’Alma consegue manter um conjunto de long-sellers, como se diz em linguagem técnica, como Larga Quem Não Te Agarra, Foi Sem Querer Que Te Quis, Durante a Queda Aprendi a Voar e Se Me Amas Não Te Demores.

Outro dos bestsellers do ano foi Pedro Chagas-Freitas, cujo A Raridade das Coisas Banais vendeu bem ao longo do ano, sobretudo na segunda metade do ano, depois de ter sido comparado ao Principezinho pela representação portuguesa na UE e, sobretudo, curiosamente, depois de terem sido atacado pelos críticos do autor na sequência daquela escolha.

Obviamente, no ano em que mudou de editora, também José Rodrigues dos Santos teve o seu livro nos tops dos mais vendidos dos ano, como em casos anteriores. Agora na Planeta, A Mulher do Dragão Vermelho foi seguramente o o livro mais vendido de autores portugueses.

Prestige, o drama ecológico que uniu a Galiza foi há 20 anos

Chapapote, de Manuel Rivas

Miguel Riopa/AFP, daqui

Miro el mar en Touriñán y me dice:
“¡Oye tú! El 15 de Agosto estabas a bañarte en este paraíso con los delfines”.
El mar te mira y nota que también a ti te ha quedado cara de fuel, como a nuestra amada costa, como a la paisaje, como a los pájaros, y nota que también los humanos estamos petroleados, con el alma petroleada y el chapapote en la mirada y en el corazón. Tenemos esa sustancia viscosa metida en cada poro del alma y del cuerpo.

El mar dice:
“¡Ah¡ ¡Habláis de inseguridad¡ Bien, aquí tenéis la inseguridad y la incertidumbre, y la impotencia; aquí tenéis el eje del mal”
Y el mar también dice: “Esas lenguas sueltas, ese neoliberalismo… que vengan aquí a la playa con su capitalismo impaciente y depredador, y con su lema de nada a largo plazo, y con su lapsus de decir “Nadamos en la abundancia” en vez de decir “Nadamos en la ambulancia”.

En fin, el mar no es un leviatán, ese ser monstruoso e incontrolable y que no se puede detener y no tiene identificación. La naturaleza no es un fatum, no es un destino que esté fuera de control.

El mar dice:
“Non os creáis ese engaño, esa mentira”. Está indignado y dice las verdades porque el mar, al contrario que nosotros, tiene esperanza. Un pueblo que non protesta es que no puede tener esperanza, es que es ya demasiado manso.

Y el mar habla por él, y dice :
“España es casi una isla, pero no se ha enterado de que yo existo”.
El mar se indigna ante el espectáculo teatral que le ofrece el ministro, pero el ministro no escucha al mar. El mar no es cívico, el mar vomita en nuestras pesadillas y dice: “YO OS ACUSO” e grita “Otra vez no habéis pensado nada, eh?, Otra vez en las berzas ¡eh!”.

Y con los jóvenes (¡Ay, los jóvenes¡) vuelven a la emigración y en el interior de los establablos las vacas están llenas de rencor resignado coma nosotros. (¿Será que nos está a quedar cara de vaca?)

El mar se sacude como un solo de batería, mezcla de Jazz, Costa da Morte e Bronx.

Y el mar dice:
“Recuerda rapaz: ¡¡¡Hay esperanza si hay rebeldía!!!”

Pero Galicia es stand-by, es el meigallo, el silencio, la intimidación, el alma petroleada.

Y el mar se levanta y grita :
“¿ESTÁIS VIVOS ? ¿HAY ALGUIEN POR AHÍ?”

A partir de texto dito no programa da manhã da Cadena Ser, transcrito em Nodo50.

A 13 de novembro de 2002, ao início da tarde, o barco Prestige vazou 63.000 toneladas de fuelóleo nas costas galegas, a 28 milhas do cabo Finisterra/Fisterra. Afetou as costas da Galiza, sobretudo, mas também das Astúrias, da Cantábria e de França (Portugal, segundo o ministro da Defesa de então, Paulo Portas, “foi muito ajudado por aquilo que eu, que sou crente, acho que foi uma intervenção de Nossa Senhora”).

Eram 15h15 quando o capitão grego do navio com bandeira das Bahamas comunicou às autoridades marítimas que ouvira um ruído muito forte a estibordo, uma hora depois 24 tripulantes são evacuados e passado outra os primeiros litros gosma negra começam a contaminar o oceano (a parte técnica, os dados podem ser lidos neste trabalho do ICBAS).

Duas páginas do diário de Dostoiévski no dia de aniversário

Imagem de North American Dostoevsky Society

No aniversário do nascimento de Dostoiévski (202 anos), em plena guerra na Ucrânia (após a invasão da Rússia a 24 de Fevereiro, radicalizando um processo que vinha desde 2014), recordo um texto de Diários de um Escritor, que não se encontra no livro editado em português e que conheci nesta conversa de Daniel Oliveira com Pedro Caldeira Rodrigues.

O texto, já na fase final da sua vida (e em parte por isso não colocado naquela edição da Relógio D’Água, já assim imensa, com 464 páginas de letras miúda apertada), apanha os cacos da Guerra da Crimeia, quando os otomanos avançam para território russo e derrotam as tropas do czar com apoio da França e da Inglaterra, para desconfiar da Europa que os considera bárbaros e fiar que o futuro da Rússia passava pela Ásia.

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Livro do dia: o novo delírio de José Gomes Ferreira

José Gomes Ferreira segredo da descoberta portuguesa das americas

José Gomes Ferreira regressa às teorias pouco ou não sustentadas da História de Portugal com “O Segredo da Descoberta Portuguesa das Américas”. O livro chega às livrarias com a sinopse: “Antes de 1490, navegadores portugueses visitaram e mapearam secretamente as penínsulas da Florida, Nova Escócia e Labrador, bem como a ilha da Terra Nova, tal como mostram os mapas de Henricus Martellus e de Cristóvão Colombo, de 1490. Antes de 1501, os portugueses também já tinham mapeado a costa leste dos atuais Estados Unidos da América, desde a foz do Rio Mississippi, no Golfo do México, até Cape Cod, no Massachusetts, como se pode verificar no mapa de Cantino e noutras cartas elaboradas nos anos seguintes com base neste planisfério inovador. Antes de 1504, os portugueses descobriram a ponta mais a sul do continente americano, o Cabo Horn, e a costa do Pacífico da América do Sul e Central, como revela o globo terrestre em casca de ovo de avestruz – o Ostrich Egg Globe – feito precisamente em 1504. Antes de 1507, toda a costa ocidental do México, dos Estados Unidos da América e uma parte da costa ocidental do Canadá estavam registadas em mapas secretos portugueses, que foram levados para os grandes centros de saber da Europa e serviram de base ao mapa-mundo de Martim Waldseemuller, datado desse ano”.

Seguramente que historiadores a sério virão contrariar as teorias do jornalista que descobre coisas porque “é só ver na internet”, como disse o próprio. Aliás como aconteceu com o livro anterior dele: Factos Escondidos da História de Portugal, quando vários historiadores desmontaram as teorias do diretor-adjunto da SIC, como no podcast Falando de História ou no COMCAST (1 e 2).

Ao contrário do livro anterior, que lançava um libelo contra a Academia e os historiadores, a sinopse deste parece mais discreta (prossegue afirmando que “neste livro surpreendente e elucidativo, em que as imagens desempenham um papel central, o jornalista José Gomes Ferreira recorre a documentos até agora pouco conhecidos do grande público, bem como ao trabalho de numerosos investigadores independentes, para nos revelar as provas da descoberta portuguesa das Américas, que a História oficial teima em ignorar”.) Veremos o que diz nas entrevistas, sim porque o diretor adjunto da SIC vai ter direito a entrevistas.

Os livros de domingo de 30 de outubro

O livro de Paulo Portas

Comprar na Wook

Reis, rainhas, aristocratas, sultões e czares edificaram o seu poder com base nos cereais. Hoje, tal como no passado, o trigo continua a determinar guerras e revoluções. A guerra que Putin impôs à Ucrânia trouxe os cereais para o primeiro plano das preocupações mundiais. Sempre que as rotas do trigo, mais antigas do que a palavra escrita, são bloqueadas ou redireccionadas, os armazéns esvaziam-se e surge a ameaça da fome. Os impérios modernos prosperaram no controlo do pão. O historiador Scott Reynolds Nelson faz neste livro o levantamento de como ao longo de séculos os cereais foram um agente silencioso de revoltas e revoluções, de agressões militares e convulsões sociais. A situação actual é apenas mais um episódio numa longa e dramática história. Não por acaso, este livro começa em Odessa, ponto nevrálgico da distribuição de cereais.

Scott Reynolds Nelson é historiador e especialista em domínios que vão da história americana do século XIX à história económica internacional, passando por temas como a circulação global de matérias primas ou os desastres financeiros a nível mundial. Foi bolseiro de investigação de instituições prestigiadas como a Universidade de Harvard, a École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, ou a Fundação Guggenheim. É professor na Universidade da Geórgia. Diz beber demasiado café e nas horas vagas lê ficção científica.

As Guerras do Trigo, Uma história geopolítica dos cereais
de Scott Reynolds Nelson
Livros Zigurate, 9789895364718

Os livros de Nuno Rogeiro

Os livros Nuno Rogeiro no programa Este Oeste da SIC Notícias foram:

Love Me Do!
A Ascenção dos Beatles
de Michael Braun
Editora Guerra & Paz
9789897028793

O ano é 1963. Love Me Do é o primeiro single de sucesso dos Beatles. Please, Please Me leva-os ao n.º 1 dos tops. John, Paul, George e Ringo celebram esse primeiro sucesso com uma digressão de seis semanas. É o início da Beatlemania. E Michael Braun está lá. Está lá durante meses, em Londres, nas digressões a Paris, aos Estados Unidos: nas conversas privadas dos Beatles, nas gravações recheadas de incidentes e piadas muito impróprias, na fuga às hordas de fãs aos gritos. Mas, em vez da imagem betinha das revistas de fãs, Love Me Do mostra os Beatles a nu. «Éramos uns sacanas», jura Lennon, elogiando este livro como o mais verdadeiro que se escreveu sobre eles. Este é um retrato da absoluta loucura dos quatro Beatles e é, também, o retrato do ambiente eufórico que então se viveu. Palavrões, bebida sem limite, opiniões controversas foram a resposta à pressão sufocante que a banda sofria, o que faz deste livro uma obra muito à frente do seu tempo. Love Me Do mostra quatro seres humanos imperfeitos e geniais: até no sono o autor os acompanha. Não admira que a revista Rolling Stone, o considere o melhor livro de todos os tempos sobre os Beatles. Um clássico.: Os livros de domingo de 30 de outubro

A Torre dos Segredos
de Edward Wilson-Lee
Bertrand Editora

Estamos em 30 de janeiro de 1574 e Damião de Góis, o arquivista do rei português, está morto – queimado, estrangulado ou afogado. O papel que estava na sua mão pode ser de qualquer canto do império português. Mas o que quer que contenha é provavelmente uma mentira. Damião de Góis – admirador da cultura etíope, colecionador de arte, historiador e compositor – viveu uma vida extraordinária antes de se encerrar na Torre do Tombo, o primeiro grande arquivo nacional da Europa, instalado numa torre do castelo de São Jorge. E foi aí que as aventuras realmente começaram… Ao lado da história de Damião de Góis está a história de outro português: Luís de Camões. Considerado por muitos um desordeiro e um falido inveterado, tornou-se, como sabemos, o poeta nacional, publicando o seu épico relato do encontro com a Índia no mesmo ano em que Góis foi condenado pela Inquisição.
As histórias de Damião de Góis e Luís de Camões captam as extraordinárias maravilhas que aguardavam os europeus à sua chegada à Índia e à China, os desafios que estas maravilhas traziam às crenças de longa data, e a vasta conspiração para silenciar as questões colocadas sobre a natureza da história e da vida humana.
Este livro é um mistério de assassinato, o relato de um julgamento inquisitorial, uma história das viagens portuguesas para o Oriente; um catálogo das ideias de Damião de Góis e um conto picaresco das fugas de Camões; um passeio por regiões do mundo moderno que raramente encontramos – o Círculo Polar Ártico, os montes Urais, Madagáscar, o Planalto do Decão. Mas também é uma história sobre como – e por que razões – as culturas se afastaram da fantástica diversidade do mundo em direção a narrativas monolíticas de caráter nacional, de pureza religiosa e de destino histórico: por que motivo escolheram Camões em vez de Góis?

CRÍTICAS
«É raro, no decurso da vida de leitor, que apareça um livro que destrói as nossas suposições sobre como e por que razão as coisas se passaram. Um feito alucinante.»
Alberto Manguel, autor de A Biblioteca à Noite: Os livros de domingo de 30 de outubro

Budapeste, do Este ao Oeste
de Victor Sebestyen
Edições 70

Esta é a história de Budapeste, uma das maiores cidades da Europa, situada na linha divisória entre o Oriente e o Ocidente. O lado mais antigo, Buda, tem vista panorâmica para a moderna Peste, desenvolvida no final do século XIX, como a capital gémea do Império Austro-Húngaro. A sua complexa história é contada em episódios chave: da ocupação otomana à grandeza do final do século XIX; desde seu declínio no turbilhão do século XX até ao extraordinário renascimento após a queda da União Soviética.: Os livros de domingo de 30 de outubro

Diplomacia em Tempo de Troika
de Luís de Almeida Sampaio
Dom Quixote

Diplomacia em Tempo de Troika é o testemunho pessoal e sensível escrito pela mão do Embaixador Luís de Almeida Sampaio, chefe da representação diplomática portuguesa em Berlim durante o governo de Pedro Passos Coelho. Conta factos e episódios até agora desconhecidos e por si vividos directamente, e tece comentários e análises de grande alcance e pertinência acerca da acção diplomática então desenvolvida junto da sociedade e das autoridades alemãs. Um depoimento que se reveste de «uma muito invulgar importância histórica» e que é «um contributo precioso para a História Diplomática de Portugal no século XXI». Prefácio de Pedro Passos Coelho.: Os livros de domingo de 30 de outubro

Livros do Governo Sombra de 1 de Outubro de 2022

Programa cujo nome estamos legalmente impedidos de dizer

Livros apresentados no sábado 1 de outubro de 2022 no Governo Sombra ou “O Programa que estamos legalmente impedidos de dizer”. Histórias Bizarras de Olga Tokarczuk, da Cavalo de Ferro; Diplomacia no tempo de Passos Coelho em livro de Luís de Almeida Sampaio; Arte do Romance de Milan Kundera, em semana de Nobel; e Woody Allen, Gravidade Zero.

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Tony Judt sobre o Estado de Israel, em 2006

Por estes dias cruzei-me com um artigo de Tony Judt sobre Israel, o Estado de Israel. Publiquei no meu blog da altura, Esgravatar, em Janeiro de 2009, mas foi apanhado num Haaretz de 2006. “The Country That Wouldn’t Grow Up” é um texto que me aparece no rescaldo do assassinato da jornalista Shireen Abu Akleh, da Al Jazeera, que acompanhava (cito o Público) a “operação militar israelita” em Jenin.

Tony Judt, Washington Square Park, 2001

Aos 58 anos, um país, tal como um homem, já adquiriu uma certa maturidade. Mas o Estado de Israel continua, curiosamente (e entre as democracias ocidentais é o único),  imaturo.

Hoje, a conversa do macho-vítima que o país usa aparece ao resto do mundo simplesmente como bizarra: prova-se que a cultura política de Israel em conjunto foi atacada por uma espécie de disfunção cognitiva. E a muito cultivada mania da perseguição – “todo o mundo quer apanhar-nos” – não reúne já simpatias.

Israel é o mesmo de sempre, mas o Mundo mudou. Qualquer que seja a descrição que os israelitas tenham do seu estado, ela não funciona necessariamente fora de portas. Já nem o Holocausto pode ser instrumentalizado para desculpar o comportamento de Israel. Graças à passagem do tempo, a maioria dos estados europeus reconciliou-se com a sua parte no Holocausto, algo que não sucedia há um quarto de século atrás. Do ponto de vista de Israel, isto trouxe consequências paradoxais: Até ao fim da Guerra Fria, o governo de Israel podia utilizar a culpa de alemães e outros europeus, explorar as falhas que estes tinham sobre o que realmente tinham acontecido aos judeus nos seus territórios. Hoje, quando a história da Segunda Guerra Mundial saiu da praça pública para os bancos de escola e dos bancos de escola para os livros, uma grande maioria de votantes europeus, e não só, mas sobretudo os mais jovens, simplesmente não conseguem entender como os horrores da última guerra europeia podem ser invocados para permitir ou menorizar o comportamento inaceitável noutro tempo e noutro local. Aos olhos do Mundo que observa, o facto de a bisavô de um soldado israelita ter morrido em Treblinka não é desculpa para o tratamento abusivo de uma mulher palestina quando esta quer atravessar um checkpoint. “Remember Auschwitz” não é uma resposta aceitável.

Em síntese: Israel, aos olhos do Mundo, é um estado normal, mas que se comporta de forma anormal. Controla o seu destino, mas as vítimas são outras. É forte, muito forte, mas o seu comportamento está a fazer outros vulneráveis. E assim, sem justificação para o seu comportamento, Israel e os seus apoiantes recaem sobre a mais antiga das desculpas: Israel é um estado judaico e é por isso que as pessoas o criticam. Isto – o ataque que a crítica de Israel é anti-semita – é visto em Israel e nos EUA como um trunfo. E se tem sido jogada mais insistentemente e agressivamente nos últimos anos, porque é agora a única carta no baralho.

Os judeus fora de Israel pagam caro por esta táctica. Não só porque os inibe de criticar Israel, por receio de aparecerem associados a más companhias, mas encoraja os outros a olhar os judeus por todo o mundo como colaboradores de facto no mau comportamento de Israel. Quando Israel quebra as leis internacionais nos Territórios Ocupados, quando humilha publicamente as populações das terras que ocupou está a dizer que esses actos não são actos de Israel, são actos de judeus. Que a ocupação não é israelita, é uma ocupação judaica. E se não gostam destas coisas é porque não gostam de judeus.

Muitos observadores acreditam que uma maneira de acabar com o aumento do anti-semitismo nos subúrbios de Paris e das ruas de Jacarta seria Israel dar aos palestinos a sua terra.

Como professor, apercebi-me ao longo dos anos a esta mudança de atitude em relação a Israel, por parte dos estudantes. Um exemplo entre muitos: Na New York University, dava uma aula no mês passado sobre o pós-guerra na Europa e tentava explicar a importância da Guerra Civil de Espanha na memória política dos europeus e porque a Espanha de Franco tem um espaço tão especial na nossa imaginação moral: é a lembrança das lutas perdidas, o símbolo da opressão na idade do liberalismo e da liberdade e uma terra de vergonha que as pessoas boicotavam pelos seus crimes e a repressão. Não consigo imaginar, disse aos alunos, de qualquer país que ocupe um lugar tão pejorativo na nossa consciência pública democrática de hoje. Está errado, disse um aluno. E Israel? Para minha surpresa, a maioria da sala – incluindo muitos do notado contingente judeu – acenaram aprovação.

Tony Judt, historiador de britânico radicado em Nova Iorque, era professor na New York University e sofria de esclerose lateral amiotrófica (ELA). Nasceu na Grã-Bretanha no seio de uma família de imigrantes judeus, instalou-se nos Estados Unidos depois de fazer estudos em Cambridge e na École Normale Supérieure. Especializou-se na história da Esquerda francesa. Entre os seus livros mais conhecidos estão “Pós-Guerra, História da Europa desde 1945“, “O Século XX Esquecido, Lugares e Memórias” e as reflexões “Pensar o Século XX”, “Chalet da Memória” e “Um Tratado sobre os Nossos Actuais Descontentamentos”